NOITE DE AUTÓGRAFOS, dia 7/11, às 19h, Casa Camolese, na Rua Jardim Botânico, 983

 

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A multiplicidade de papéis que Maria Rezende desempenha está refletida em SIMseu sexto livro de poemas, com lançamento marcado para 07 de novembro,  na Casa Camolese, no Rio de JaneiroPublicada no Brasil e em Portugal, coautora de um álbum bilíngue de canções lançado na Espanha, autora de espetáculos que rodaram o país, celebrante de quase cem casamentos e responsável pela montagem de grandes bilheterias do cinema brasileiro, a poesia de Maria mistura e extrapola esses universos. Seus versos criam imagens como cenas de filmes, revelam a intimidade do amor, do sexo, da solidão, iluminam a natureza crua do corpo com seus hormônios e vértebras, e têm em seu DNA o ritmo inconfundível da oralidade.

 

É que Maria aprendeu a dizer poemas antes mesmo de começar a escrever os seus.  Disse versos de Ferreira Gullar com o poeta na platéia, poemas de Fernando Pessoa com Saramago encantado na primeira fila, e de tanto dizer grandes poemas viu nascerem os seus. Publicou Substantivo feminino de forma independente em 2003, com apenas 24 anos, com o misto de ousadia e insegurança da juventude. Sobre essa estréia, Manoel de Barros lhe enviou uma carta manuscrita em que dizia “Poesia é assunto de palavras que de ideias, e você sabe disso. Sendo assim, você é poeta.” A autoridade do mestre legitimou seu caminho e vinte anos depois ela se tornou uma multiartista que tem a poesia como centro e norte.

 

SIM reúne 46 poemas que passeiam por temas íntimos e universais, mesclando um olhar corajoso para dentro com um olhar inusitado para fora. Uma descoberta astronômica (“Um planeta leve flanando pelo espaço/ um planeta quase sem massa/ que não segue regras/ não anda em bandos/ não busca a luz de nenhuma estrela”), uma conversa entreouvida num voo internacional (“Nunca ser a mulher do avião / engolindo sua culpa com amendoins / mendigando afeto pelo telemóvelou um encontro romântico cancelado em cima da hora (“Todo não poder / quase todo / revela um não querer o bastante a ponto de fazer”) ganham contornos poéticos pelo olhar sensível da autora. Já no poema de abertura a poeta se apresenta como uma ‘emocionada’ (“Uns ganham medalhas / uns criam curas / uns sobem montanhas / uns multiplicam rendas uns levantam construções Eu sinto / muito / pós-graduada em sentir ”). Partindo daí, ela convida o leitor para seu universo, onde o corpo, com seus hormônios e fluidos, se coloca ele todo como argamassa para o fazer poético. O despojamento da métrica e das rimas contribui para uma leitura pontuada por surpresas, sem abrir mão da sofisticação.

 

Como aponta a poeta Valeska Torres na orelha do livro: “Maria escreve navegando entre o microscópico e o macroscópico galáxico. Se por vezes encontramos planetas e furacões, em outras encontramos o musgo e a mucosa. É como se o olhar da poeta acontecesse em todo o planeta e muito além, na Via Láctea. E mesmo assim é para o corpo que a poesia se volta.” A poeta se desnuda (“Com os cabelos cheirando a sexo / e o corpo limpíssimo de depois do gozo me deito”) revelando medos, perdas (Eu tive em mim dois umbigos e então / só um novamente / e ninguém nos braços”), prazeres e entregas.

 

“Em tempos tão duros como os que atravessamos”, diz Maria, “batizar um livro de SIM é uma certa ousadia de enxergar luz em meio às sombras e reafirmar a vida com seus sustos e maravilhas.” Curioso notar que a palavra que dá título ao livro aparece pouco nos versos, em que se destaca muitas vezes a palavra “não” (“Eu conheço o cheiro do fim / o cheiro do não”). Talvez porque como notou Valeska: “Depois do não” é preciso começar de novo e de novo e de novo, fazendo o SIM se tornar um livro de inícios.” O título encontra espelho na arte da capa, um bordado da artista pernambucana Heloísa Marques criado especialmente para a obra e trabalhado pela designer Marianna Cersósimo. Esse sim luminoso dialoga com epígrafes espalhadas ao longo do livro, estampadas nas páginas pretas do esmerado projeto gráfico de Gabriela Rocha. São versos de Caetano VelosoFerreira Gullar e Clarice Lispector (“Tudo no mundo começou com um sim”).

 

epígrafe final, de Caetano Veloso, “Não cabe em si/ de tanto sim” serve também como abertura da parte mais comovente de SIM. Nela, Maria mergulha na maternidade com toda a carga de desejo e toda a crueza dos fatos. Injeções, exames de nome difícil, as diferenças entre espécies (“Assim como eu /a galinha nasce com todos os seus óvulos Diferente de mim / ela só será fértil por uns dez meses / e eu me queixando da minha janela de trinta e poucos anos”), a realidade de quem decide se tornar mãe solo por opção já depois dos 40 anos.

 

Em plena criação do livro, do qual é também editora, Maria descobriu estar vivendo o grande sim: está grávida de sua primeira filha. Criar arte, criar vida. Bordar fios dourados, fazer cílios, escolher fontes, formar órgãos. O que não é coincidência é que sejam ambos projetos independentes: um livro sem editora, uma filha sem pai. Frutos do desejo e da capacidade de realizar de uma artista que há vinte anos inventa seu caminho.

 

 

TRECHOS DE SIM

 

Videohisteroscopia

Um útero é do tamanho de um punho

disse a poeta
útero soco
bomba relógio

pulsa rosa
pura mucosa cintilante

 

Um útero como farpa

membro fantasma

vibra
mudo

nunca se vê
nunca se pode esquecer

 

Útero lua rubra
deserto inexplorado
até chegarem as câmeras da tv

 

O brilho da carne
o gemido aqui fora

salar fiorde catarata

natureza exuberante

explode

 

Um útero
salão de baile improvável

onde um dia
se calhar
pousará um cometa

surgirá um planeta

 

Um útero é uma casa pronta pra morar

 

 

À capela

O amor em voz alta

nãé um pedido

nem uma prisão

 

O amor em voz alta

é uma oferta

 

 

 

 

Infindo

Sabe o que é pra sempre?

tudo

 

Tudo que já aconteceu
pra sempre vai ter acontecido
as dores os porres os gozos belezas

 

Tudo é pra sempre embora mude
pra sempre ainda que depois diferente

 

O susto o tapa a gargalhada
o erro a escolha o beijo de língua

a curva da estrada
cada encruzilhada
o arrepio que nunca se repete

 

Eternos o silêncio e a palavra dita

óvulo fecundado
o sangue mensal
o abraço inesperado

a mão dada
o abandono
o tropeço a topada o encaixe exato
o nó na garganta

 

Nada tem volta mesmo que não dure

 

Tudo é pra sempre
inclusive e muito especialmente

o que acaba de acabar

 

 

Transparência

O estrondo no escuro
a cicatriz no joelho
e as palavras se dissolvendo no percurso da língua

 

O assombro do encanto

o susto do encontro
a frase
sabia que ia te ver

pichada bem ao lado de

ouvi muito falar em você

 

Hieróglifos modernos
no mais alto do edifício mais alto

que é o rosto de uma pessoa

 

Uma pessoa nua no meio da rua

sem ser sonho
é 
o que?
pessoa desarmada

apta pra tropeços

 

Não há maravilha sem carne

só o que pulsa se espatifa
é 
preciso estar vivo
pra brilhar e pra doer

 

 

Banho

Na impossibilidade de lavar a alma

os cabelos

 

 

Emocionada

Uns ganham medalhas

uns criam curas
uns sobem montanhas

uns multiplicam rendas

uns levantam construções

 

Eu sinto
muito
pós-graduada em sentir

 

Sinto prazer e fecho os olhos em público

sinto medo e me recolho entre mantas

sinto fome e lambo os dedos
sinto dores sem disfarce e arranho a cara

com afiadas unhas imaginárias

 

Eu sinto sem reservas
sentidora olímpica
sinto pele e pelos e gosto e textura

e sinto temperaturas
sinto raiva e invento gritos
arrepios de beleza
sinto horror e me atropelo
alegria e remexo quadris

 

Eu sinto como uma criança

como uma desesperada

sinto sozinha
em dupla

em bando
em casa
na calçada
de manhã
na madrugada

 

Sinto tudo e choro pelas ruas

colho pitangas
sessenta e quatro
daí disfarço a emoção e o furto

misturando o doce da chuva

ao sal dos olhos

 

Sentir
calcanhar de Aquiles

estilingue de nervos

tropeço
gatilho
ponto macio
laço maravilha
inútil belo superpoder

   

 

 

https://www.legislaqui.com.br/seus-direitos

 

 

 


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